Dizer que abandonamos a nossa vontade na de outro parece muito fácil, até que, na realidade, se compreende ser a coisa mais difícil que se pode fazer. O Senhor sabe o que cada um pode suportar, e a quem vê com coragem não se detém em cumprir nele a sua vontade.
Quero agora avisar-vos e recordar-vos qual é a Sua vontade. Não tenhais medo de que seja dar-vos riquezas, nem prazeres, nem honras, nem todas estas coisas da terra.
Não vos quer tão pouco, e tem em muito o que Lhe dais, e vo-lo quer pagar bem, pois ainda em vossa vida vos dá o seu reino.
Quereis saber como procede com os que Lhe dizem isto deveras? Vede o que deu Àquele a quem mais amava, por onde se entende qual é a Sua vontade.
Assim, são estes os Seus dons neste mundo. Dá conforme ao amor que nos tem: aos que mais ama dá mais destes dons; àqueles que menos ama dá menos, e conforme o ânimo que vê em cada um e o amor que têm a Sua Majestade.
A quem O amar muito, verá que pode padecer muito por Ele; ao que O amar pouco, pouco. Tenho para mim que a medida de se poder levar cruz grande ou pequena é a do amor.
Assim, irmãs, se o tendes, procurai que não sejam palavras de mero cumprimento as que dizeis a tão grande Senhor, mas esforçai-vos em aceitar o que Sua Majestade quiser.
Sem darmos totalmente a nossa vontade ao Senhor, para que em tudo o que nos toca Ele faça conforme à Sua vontade, nunca nos deixará beber da Sua fonte de água viva.
Santa Teresa de Ávila (1515-1582), carmelita, doutora da Igreja
«Caminho de perfeição», cap. 32, 5-9 (Paço d’Arcos, Ed. Carmelo, 2000, rev.)