Senhor,

«Senhor, Filho de David, tem misericórdia de mim»

Às vezes, Senhor, sinto-Te passar; Tu não páras, ultrapassas-me, mas eu grito por Ti como a mulher cananeia.

Ousarei aproximar-me de Ti? Claro que sim, porque os cachorros expulsos da casa do dono regressam sempre e, guardando a casa, recebem o seu pão de cada dia.

Expulso, aqui estou de novo; afastado, clamo; maltratado, imploro. Como os cachorros não podem viver longe dos homens, assim também a minha alma não pode viver longe do meu Deus!

Abre-me, Senhor. Que eu chegue a Ti para ser inundado pela tua luz. Tu habitas nos céus, estás escondido nas trevas, na nuvem obscura. Como diz o profeta: «Envolveste-Te numa nuvem para que as nossas orações não Te alcancem» (Lam 3,44).

Estanco na terra, o coração como num atoleiro. As tuas estrelas já não brilham para mim, o sol obscureceu-se, a lua já não dá a sua luz. Pretendo cantar os Teus feitos nos salmos, nos hinos e nos cânticos espirituais; no Evangelho, as Tuas palavras e as Tuas acções resplandecem de luz; os exemplos dos teus servos, as ameaças e as promessas das Tuas Escrituras de verdade impõem-se a meus olhos e batem na surdez dos meus ouvidos.

Mas a minha mente endureceu; aprendi a dormir virado para o esplendor do sol; acostumei-me a já não ver o que assim se me oferece.

Até quando, Senhor, até quando tardarás a rasgar os Teus céus, a descer para vires sacudir o meu torpor? (Sl 12,2; 63,19) Que eu deixe de ser o que sou, que me converta e que volte, pelo menos à noite, como um cachorrinho faminto.

Percorro a Tua cidade, que peregrina ainda em parte neste mundo, embora a maioria dos seus habitantes tenha encontrado a sua alegria nos céus. Também eu encontrarei aí a minha casa?

Guilherme de Saint-Thierry (c. 1085-1148), monge beneditino, depois cisterciense
Orações meditativas, nº 2

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