Cristo pede-nos duas coisas: que condenemos os nossos pecados e perdoemos os dos outros; e que façamos a primeira por causa da segunda, que nos será então mais fácil, pois aquele que pensa sobre os seus pecados será menos severo para com os seus companheiros de miséria.
E que não perdoemos apenas com a boca, mas do fundo do coração, para não voltarmos contra nós próprios o ferro com que pensamos trespassar os outros. Que mal pode fazer-te o teu inimigo, em comparação com o que podes fazer a ti próprio com o teu azedume?
Considera pois quantas vantagens retiras duma ofensa acolhida com humildade e mansidão. Desse modo, em primeiro lugar — e é o mais importante —, mereces o perdão dos teus pecados. Seguidamente, exercitas a paciência e a coragem. Em terceiro lugar adquires a mansidão e a caridade, pois aquele que é incapaz de se zangar com os que lhe fizeram mal será ainda mais caridoso com os que o amam. Em quarto lugar, arrancas totalmente a cólera do teu coração, o que é um bem incomparável; evidentemente, aquele que liberta a sua alma da cólera também se desembaraça da tristeza: não desperdiçará a sua vida em tristezas e vãs inquietações.
É que nós punimo-nos a nós próprios quando odiamos os outros; só fazemos bem a nós próprios quando os amamos.
Além disso, todos te respeitarão, mesmo os teus inimigos, ainda que sejam os demónios. Melhor ainda, se assim te comportares, até deixarás de ter inimigos.
São João Crisóstomo (c. 345-407), presbíterode Antioquia, depois bispo de Constantinopla, Doutor da Igreja
Homilias sobre o evangelho de Mateus, nº 61