«Há tanta gente ferida… Nós, padres, devemos estar lá, próximos…»
«No início da Quaresma refletir em conjunto, como padres, sobre a misericórdia faz-nos bem. Todos nós temos necessidade dela. E também aos fiéis, porque como pastores devemos dar tanta misericórdia, tanta!»
«Qual é o lugar onde Jesus estava mais vezes, onde se podia encontrar mais facilmente? Nas ruas! Podia pensar-se que era um sem-abrigo porque estava sempre na rua! A vida de Jesus era nas ruas.»
«Jesus convida-nos a colher a profundidade do seu coração, o que Ele experimenta pela multidão, pela gente que encontra: vendo a multidão sente compaixão dela, porque vê as pessoas abatidas e exaustas, como ovelhas sem pastor. Ouvimos tantas vezes estas palavras que talvez já não penetrem com intensidade. Mas são fortes! Um pouco como muitas pessoas que encontrastes hoje nas ruas dos vossos bairros… Depois o horizonte alarga-se e vemos que esta cidade e estas vilas não são só Roma e Itália, mas são o mundo… e aquela multidão exausta são as populações de muitos países que sofrem situações ainda mais difíceis.»
«Não estamos aqui para fazer um belo exercício espiritual no início da Quaresma, mas para escutar a voz do Espírito que fala a toda a Igreja neste tempo, que é precisamente o tempo da misericórdia. Disto estou seguro: não só a Quaresma! Estamos a viver em tempo de misericórdia, desde há 30 anos ou mais até agora.»
«Em toda a Igreja é o tempo da misericórdia. Esta foi uma intuição do beato João Paulo II. Ele teve a intuição de que este era o tempo da misericórdia. Pensemos na beatificação e canonização da Irmã Faustina Kowalska, depois introduziu a festa da Divina Misericórdia primeiro domingo após a Páscoa.»
«Na homilia para a canonização de Faustina, que ocorreu no ano 2000, João Paulo II, olhando para o futuro, disse: “Como será o futuro do homem sobre a terra? A nós não é dado sabê-lo. Contudo, é certo que ao lado de novos progressos não faltarão, infelizmente, experiências dolorosas. Mas a luz da misericórdia divina, que o Senhor quis como que entregar de novo ao mundo através do carisma da Irmã Faustina, iluminará o caminho dos homens do terceiro milénio”. É claro. Aqui é explícito no ano 2000, mas é algo que no seu coração amadurecia há tempo. Na sua oração teve esta intuição.»
«Cabe a nós, como ministros da Igreja, manter viva esta mensagem, sobretudo na pregação e nos gestos, nos sinais, nas escolhas pastorais, como por exemplo escolher restituir prioridade ao sacramento da Reconciliação, e ao mesmo tempo às obras de misericórdia.»
«À imagem do Bom Pastor, o padre é homem de misericórdia e de compaixão, próximo da sua gente e servidor de todos. Este é um critério pastoral que desejo sublinhar muito: a proximidade. A proximidade e o serviço; mas a proximidade! Todo aquele que se encontre ferido na sua vida, de que modo seja, pode encontrar no padre atenção e escuta.»
«Em particular, o padre demonstra um interior de misericórdia ao administrar o sacramento da Reconciliação; demonstra-o em toda a sua atitude, na maneira de acolher, de escutar, de aconselhar, de absolver… Mas isto deriva de como ele mesmo vive o sacramento na primeira pessoa, de como se deixa abraçar por Deus Pai na Confissão, e permanece dentro deste abraço… Se alguém vive isto em si, no próprio coração, pode também dá-lo aos outros no ministério. Como me confesso? Como? Deixo-me abraçar?»
«O padre é chamado a ter um coração que se comove. Os padres – seja-me permitido dizer assim – “asséticos”, “de laboratório”, tudo imaculado, tudo bonito… não ajudam a Igreja.»
«Hoje podemos ver a Igreja como um “hospital de campanha”. Desculpem-me a repetição, mas vejo-a assim, sinto-a assim: um “hospital de campanha”: é preciso tratar os feridos, tantos feridos! Tantos feridos! Há tanta gente ferida, por problemas materiais, por escândalos, mesmo na Igreja… Gente ferida pelas ilusões do mundo… Nós, padres, devemos estar lá, próximos desta gente.»
«Misericórdia significa antes de tudo tratar os feridos. Quando alguém está ferido, precisa rapidamente disto, não de análises, como o nível de colesterol, da glicémia… Há uma ferida, trata-se a ferida e depois veem-se as análises. Depois se farão os tratamentos especializados, mas antes devem tratar-se as feridas abertas. Para mim isto, neste momento, é muito importante.»
«Mesmo feridas ocultas, porque há gente que se distancia para não lhes fazerem ver as feridas. Vem-me à ideia o costume que havia na lei de Moisés relativo aos leprosos, ao tempo de Jesus, que estavam sempre afastados, para não contagiar. Gente que se afasta por vergonha. Desejam uma carícia! E vós, caros irmãos, pergunto-vos: conheceis as feridas dos vossos paroquianos? Intuí-las? Estais próximo delas?»
«Que entre os confessores haja diferenças de estilo, é normal, mas estas diferenças não podem dizer respeito à substância, isto é, à sã doutrina moral e à misericórdia. Nem um laxista nem o rigorista dão testemunho de Jesus Cristo. O rigorista lava as mãos: com efeito, atém-se à lei entendida de maneira fria e rígida; o laxista, por seu lado, lava as mãos: só aparentemente é misericordioso, mas na realidade não toma a sério o problema daquela consciência, minimizando o pecado.»
«A verdadeira misericórdia toma a seu cargo a pessoa, escuta-a atentamente, aborda a situação com respeito e com verdade, e acompanha-a no caminho de reconciliação. E isto é fatigante! Sim, certamente! O sacerdote verdadeiramente misericordioso comporta-se como o Bom Samaritano.»
«Sabemos bem que nem o laxismo nem o rigorismo fazem crescer a santidade. Talvez alguns rigoristas pareçam santos, santos…. Não santificam o padre e não santificam o fiel: nem o laxismo nem o rigorismo. A misericórdia, ao invés, acompanha o caminho da santidade, acompanha-a e fá-la crescer.»
«Quantos de nós choramos diante do sofrimento de uma criança, diante da destruição de uma família, diante de tanta gente que não encontra o caminho? O choro do padre… Tu choras? Ou neste presbitério perdemos as lágrimas? Choras pelo teu povo? Diz-me, fazes a oração de intercessão diante do sacrário? Lutas com o Senhor pelo teu povo, como Abraão lutou? E se fossem menos? E se fossem 25? E se fossem 20? Aquela oração corajosa de intercessão.»
«À noite, como terminas o teu dia? Com o Senhor ou com a televisão? Vejo tantos sorrisos, aqui [ri]… Também eu me rio, notem. Como é a tua relação com aqueles que ajudam a ser mais misericordioso? Isto é, como é a tua relação com as crianças, com os idosos, com os doentes? Sabes acaricia-los ou envergonhas-te de acariciar um idoso?»
«Quanto bem faz o exemplo de um padre misericordioso, de um padre que se apoxima das feridas… Se pensardes, vós seguramente conhecestes muitos, muitos, porque os padres de Itália são valentes. São valentes. Eu acredito que se a Itália é ainda tão forte, não é tanto por nós, bispos, mas pelos párocos, pelos padres: é verdade, é verdade, não é um pouco de incenso para vos confortar. Sinto-o assim.»
«A misericórdia. Pensai em tantos padres que estão no céu e pedi esta graça… que vos deem aquela misericórdia que tiveram com os seus fiéis. E isto faz bem.»
Papa Francisco
Encontro com os padres de Roma
Vaticano, 6.3.2014